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terça-feira, 4 de junho de 2013

Diamantina 1884-1887

 Meus pais se casaram em 2 de janeiro de 1876. Foram morar numa casa própria de dois andares, na rua atrás da igreja de Santo Antônio, sé episcopal, velho tempo dos tempos coloniais, depois... derrubado, para em seu local se construir uma nova catedral. Meu pai montou ali uma loja de fazendas e armarinho, onde se manteve quarenta e cinco anos, até falecer, em 10 de dezembro de 1921.
  Eu e meus irmãos, João Edmundo e Leonidas, gostávamos de ficar na loja, á noite, para ouvir interessantes palestras, sobre a política e os tempos antigos de Diamantina, dos amigos de meu pai, que ali se reuniam, principalmente do Partido Liberal.
 Nessa época o comércio de Diamantina abria ás sete horas da manhã e fechava ás nove horas da noite, sem um dia de descanso. Somente o Grande Empório do Norte, de Mota & Cia  tinha por chefe o honrado português, João Francisco Mota, o primeiro, no Norte de Minas, a adotar o sistema métrico decimal, abandonando as medidas antigas, vara, côvado, etc. O primeiro de janeiro de 1874, entrou em vigor a lei que estabeleceu o sistema métrico decimal no Brasil. No verdadeiro cenáculo, que se reunia, á noite, na loja de meu pai, revesavam-se as principais figuras do comércio e de política local, do Partido Liberal.
  Augusto Cesar de Azevedo, Belo, negociante, dentista prático, perito em lavrar coités de coco e ouro, arte em que depois se distinguiu o notável artista Antônio de Pádua e Oliveira. João Raimundo Mourão, político influente presidente da Câmara Municipal, Fernando Martins Sampaio, negociante, sócio da firma Sampaio Mota & Cia, Diniz Tameirão de Oliveira Pinto, fiscal da Câmara. José da Cunha Vale, vulgo Juca Parrudo, pai do pintor José da Cunha Vale Laport. O Juca Parrudo, certa noite, ouvindo gemidos no bueiro de esgoto de sua casa, na rua do Bonfim, foi verificar e lai apanhou uma criança recém nascida, do sexo feminino, que criou como filha e foi depois uma bonita moça, Maria da Conceição Trindade Vale. José Leite Teixeira negociante na Cavalhada Nova, de muleta, por ter uma perna amputada. O Godoi (Antônio Tomás de Godoi), inteligente e culto empregado no telégrafo.
 João Botija (João Nepomuceno da Silva, depois empregado na Escola Normal).
 Comendador Vidigal, senhor de vários escravos, opulento explorador de diamantes. Francisco Coelho de Araújo (Chico Coelho, negociante de fazenda, que viveu mais de cem anos. Foi vítima de uma grande roubo, que quase o arruinou, praticado por uma quadrilha de assaltantes estrangeiros. Tio João Caldeira, advogado prático muito espirituoso. Serafim Moreira da Silva (Comendador Finfin), negociante de diamantes.
 João Gaivota (João Pio Fernandes), explorador de diamantes residente na Sopa, a duas léguas de Diamantina. A este cavalheiro já me referi numa crônica anterior. Numa briga noturna, por questão de mulheres, atirou num negociante, ferindo-o gravemente, fugindo depois. Iniciado o processo, á revelia, por tentativa de morte, etc, aconselhado por amigos, resolveu entregar-se á prisão, para poder-se defender. Mas arrependeu-se, quando lhe disseram que a pena de tentativa de homicídio era de vinte anos. A todo amigo que ia visitá-lo na cadeia ele perguntava invariavelmente:
 - Você acha que eu fiz bem em me entregar á prisão? Não seria melhor continuar fugido?
 Todos respondiam que ele fizera bem, em se entregar.
 Quando meu pai e seu camarada Possidônio foram visitá-lo, o João Gaivota perguntou-lhe logo:
 - Augusto. Você acha que eu fiz bem em me entregar á prisão?
 - Acho, respondeu meu pai. - Se você não se entregasse, seria condenado fatalmente e teria de ficar fugido muitos anos até prescrever a pena. E você tem família, tem seus negócios. Preso, submetido ao juri, tenho certeza que você será absolvido.
                                           Foto da internet - google
 - E você, Possidônio, qual a sua opinião? perguntou o preso.
 - Homem, eu não sei, respondeu ele ambiguamente , - Não se pode ter confiança no juri. Por seguro, eu não me entregava . Boi solto lambe-se todo...
 Nessa ocasião,c erta tarde, minha mãe disse a mim, João Edmundo e Leonidas.
 - Vou vestir vocês, para irem ao colégio visitar a Irmã Felicidade, que pediu para vê-los.
 Depois de vestidos, a empregada Maria do Armo nos levou ao colégio das Irmãs de Caridade, na rua do Glória. Ali a irmã Felicidade (no século Gabriela Felício dos Santos) nos fez uma frande festa, levando nos á capela e e outras dependências do estabelecimento, dando-nos biscoitos, doces, medalhas e sentinhos, cartões com a imagem do Sagrado Coração de Jesus. Era uma jovem muito alegre, bonita e simpática.
 Quando voltamos em casa, minha mãe nos perguntou:
 - Então, gostaram da irmã Felicidade?
 - Oh, muito! mamãe respondeu João Edmundo - Ela só fez nos agradar o tempo todo!
 - Vocês escaparam  de ser filhos dela, continuou minha mãe - Seu pai foi noivo dela, esteve para casar com ela...
 - Oh! porque não casou?! Exclamou Leonidas, ingenuamente.
 - Que está dizendo, menino?! Atalhou Maria do Carmo.
 Razão tinha Anatole France, quando escreveu: "Le dommage est, nou point de trops durer, mais bien de voir tout passer autour de sois." O mal estã, não em viver muito, mas de ver tudo passar ao redor de si.
Arno Ciro, Voz de Diamantina, pág. 2, nº16, ano LVI, 1962, Diamantina, MG.

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